Em agosto do ano passado, quando fui escalada novamente para ministrar Introdução aos Estudos Comparados IV em minha Universidade, quis fazer um pouco como aquelas mulheres que mandam seus perfis para as revistas femininas, buscando um “ANTES” e um “DEPOIS”. Já viram como fica? Cabelos vermelhos, cortes assimétricos, novo guarda-roupa... Mudança radical! (rsrsrs...)
Brincadeiras à parte, venho ministrando Estudos Comparados IV na Graduação de Letras desde que entrei na USP, por pura afinidade: na nossa grade, essa é a disciplina que aprofunda o estudo da narrativa em língua portuguesa – minha “menina dos olhos”, minha área de pesquisa também. Então...
Mas, dessa vez, queria ousar. Já tinha inovado bastante ao propor, dentro da Pós-Graduação, um curso comparativo entre Literatura e Cinema, não analisando produções literárias adaptadas para a Sétima Arte, mas buscando ver o próprio cinema enquanto narrativa. Afinal, analiticamente falando, muito da Film Theory nasce da Teoria Literária. Artes irmãs, mas com enorme diferença de idade.
Pois bem: montei então, dessa vez para a graduação, um programa de curso em Literatura e Cinema, tendo como norte a escolha de filmes em língua portuguesa (ou crioula, brasileiros e dos países africanos que falam português) que privilegiassem, em seu escopo temático e estrutural, a produção (eu disse produção) de identidades nacionais. Afinal: como Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau se imaginam como nações através do cinema?
O semestre foi passando, o grupo de alunos era maravilhoso, interessado, e o que era para ser um curso analítico foi mudando de figura. Líamos textos teóricos, sim: Antonio Candido, Benedict Anderson, Benjamin Abdala Jr., Robert Stam, Alfredo Bosi... Vimos muitos filmes, sim: O descobrimento do Brasil, Olhar estrangeiro, Vidas secas, Terra em transe, Na cidade vazia, O herói... Mas, até aí, apenas um corte de cabelo usual, sem grandes mudanças...
A grande transformação veio depois. Numa manhã de outubro, por razões que eu demoraria demais para explicar aqui, cheguei à faculdade com a minha câmera digital em mãos e fiz a minha aluna Marina Félix um pedido inusitado: “Você pode me filmar dando aula, Marina?” “Claro, professora”, ela me respondeu. “Mas o que a senhora quer que eu filme?” “Não sei, Marina”, eu disse. “Filme o que quiser”.
E Marina filmou a aula - uns cinco, seis minutos de gravação, acho. Tentando não ficar como uma câmera fixa em mim, buscando o que estava projetado na parede, passeando entre os colegas, focalizando o texto que tinha em mãos. No final, perguntei: "E aí, Marina, como foi?" "O mais difícil, professora", disse ela, "foi decidir o que filmar". "Que bom", repliquei. "Essa é justamente a sensação que um cineasta deve ter ao fazer seu filme: possuir um tema, sim, mas precisar sempre decidir o melhor recorte".
Naquele dia, começou o inferno dos meus pobres alunos, coitados. Porque foi só encostar a cabeça no travesseiro à noite e a ideia (não o rio São Francisco, como em Rosa) dividiu a vida deles em duas partes... "Vou pedir a eles uma avaliação completamente diferente", pensei. "Em vez de me entregarem uma monografia analítica escrita, vão ter de roteirizar, filmar, editar e finalizar um curta-metragem que responda à pergunta: O que é a nação?..."
Se você já foi aluno um dia, caro leitor, deve imaginar a cara de cada um quando comuniquei às duas turmas a minha decisão. Meus alunos piraram. Piraram - e fizeram os trabalhos mais maravilhosos que se poderia imaginar. Criativos, dinâmicos, líricos, engraçados, assustadores, trágicos. Amadores, sim, mas deles: profundos, ponderados, reflexivos. Tive a oportunidade de aplaudir de pé, com lágrimas nos olhos, a exibição coletiva desses vídeos durante a I Mostra de Cinema de Língua Portuguesa de nossa Faculdade. Agora, é com muito orgulho que apresento a vocês esses "cineastas" maravilhosos e suas câmeras de video. Assistam aos filmes, curtam, apreciem, critiquem e aplaudam também. Eles merecem.
Curtas-metragens postados no YouTube e Vimeo:
Nação Brasil, possível diálogo inter-artes, de Edimara Lisboa:
alumBRamento, de Agda de Morais:
À brasileira, de Rogério Ribeiro e Janaína Gonçalves:
Rosas paulistanas, de Cláudia Regina Chaves de Almeida Farabello:
Nação, quem somos?, de Margarida Yamamoto e Eiko Yamagami:
http://vimeo.com/8585173
http://vimeo.com/8585173
São Paulo, um passo do Brasil, de Marina Félix Chaves: